Daniel Sheanan Colmenero Lin
15 de out. de 2024
Análise crítica do papel do Hezbollah nas crises locais e regionais, destacando a exploração política da causa palestina, suas contradições e as consequências para si e para o Oriente Médio
Na manhã do dia seguinte aos ataques de 07/10/23, logo após o ataque preventivo de Israel contra milhares de lançadores de foguetes apontados para o norte e centro do país — que tinham o potencial de acender o conflito entre Israel e Hezbollah ou até mesmo desestabilizar todo o Oriente Médio (o que aconteceria mais tarde) — ficou evidente o fracasso monumental e a farsa que representa o Hezbollah. Ele não era uma vítima da agressão israelense, tampouco um mero espectador: é uma organização violenta, corrupta e ultrapassada, que contribui pouco para o Líbano e nada para os palestinos, enquanto coloca em risco a segurança regional.
Hezbollah – uma organização caduca
O Hezbollah tornou-se obsoleto porque perdeu seu propósito original. Embora forneça serviços sociais em áreas do Líbano onde o Estado é ineficaz, especialmente para sua base de apoio xiita, garantindo assim sua lealdade, seu papel como barreira militar contra a agressão israelense é ilusório. Surgido da longa e complicada guerra civil de 15 anos do Líbano, o Hezbollah foi a única milícia autorizada a manter suas forças militares após o acordo de Taif de 1989, que encerrou o conflito. A justificativa era a necessidade de defender o Líbano contra a ocupação israelense no sul iniciada com a invasão de junho de 1982. No entanto, 24 anos após o fim da ocupação israelense em 2000, o Hezbollah ainda não se deu conta disso. Em vez de se desmobilizar, usou disputas técnicas de fronteira como pretexto para acumular armamentos fornecidos pelo Irã, desencadeando uma nova guerra com Israel em 2006. O conflito foi tão devastador para o Líbano que o líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, acabou admitindo seu erro.
Resistência ilusória
O Hezbollah também é uma fraude miserável quando se trata da questão Israel-Palestina. Seus comunicados são repletos de palavras pomposas como glória, martírio, sangue e triunfo, além de cercarem termos como "Israel", "Tel Aviv" e "Glilot" de aspas — referindo-se à base que alegaram ter atacado nas primeiras horas de domingo, antes de Israel retaliar contra seus lançadores. No fim das contas, a temida resposta do Hezbollah ao assassinato do comandante Fuad Shukr em 30 de julho se resumiu a quase nada além de clamar uma vida israelense e prejudicar comunidades do norte de Israel. A contínua vanglória do Hezbollah ao longo do domingo, afirmando ter infligido um grande golpe ao inimigo, era uma farsa. Eles declararam ter atacado o bairro Glilot, "1.500 metros de Tel Aviv", um local estratégico que abriga a unidade de inteligência avançada das Forças de Defesa Israelenses (FDI) e um centro da Mossad. No entanto, o porta-voz das FDI, Daniel Hagari, negou que qualquer base no centro do país tenha sido atingida. Em seu discurso na noite de domingo, Nasrallah parecia quase frustrado com "o silêncio do inimigo" em relação ao suposto ataque.
Mas a ideia de que o Hezbollah está realmente ajudando os palestinos ou Gaza é a mais cínica de todas. Além de abrigar algumas células do Hamas no Líbano que ocasionalmente lançam ataques a partir do norte, o que o Hezbollah realmente fez pela Palestina antes desta guerra? Ao decidir atacar Israel, o Hezbollah provocou a reação mais feroz de Israel. Se a intenção era desgastar ou destruir Israel, ou impedir que Israel concentrasse toda sua força em Gaza — claramente, isso não funcionou. Ao contrário, Israel intensificou suas ações em Gaza numa guerra que já é das mais longas e sem fim à vista. A tão temida escalada entre Israel e Hezbollah ou mesmo um conflito regional tem, na verdade, fortalecido as alianças internacionais de Israel e desviado a atenção e recursos a Gaza. Se você realmente se importa com os palestinos, pergunte quantas vidas palestinas o Hezbollah salvou hoje?
Fracasso doméstico
O Hezbollah atua também como uma força política, com representantes eleitos no parlamento libanês e presença significativa no governo do Líbano. No entanto, a população libanesa está cada vez mais desiludida ao enfrentar um colapso quase total do Estado marcado por uma crise econômica severa e serviços públicos inoperantes. O país está mergulhado numa crise presidencial há quase dois anos porque o Hezbollah insiste em bloquear alternativas a seu candidato preferido, que perdeu repetidamente em várias sessões parlamentares. A situação é tão crítica que o Líbano está buscando sugestões de candidatos para a presidência, desde o Vaticano até soluções de IA. A crise política reacende antigas tensões sectárias que alimentaram a guerra civil do Líbano — um fantasma que ainda assombra o país. Nesse cenário, o Hezbollah tem sido associado a ações como o assassinato do ex-primeiro-ministro Rafik Hariri em 2005 e o apoio ao regime de Bashar al-Assad na Síria, agravando ainda mais as divisões internas. Além disso, o grupo é acusado de financiar suas operações por meio de práticas ilegais, como tráfico de diamantes e arte de origem duvidosa, e também de bloquear as investigações sobre a devastadora explosão no porto de Beirute em 2020. E em julho, o Hezbollah foi responsabilizado pela morte de várias crianças e adolescentes drusos nas Colinas de Golã, o que irritou profundamente a comunidade drusa do Líbano e provocou novas escaladas com Israel. Para o Hezbollah, manter o conflito em andamento também é uma tática estratégica: o grupo tem conseguido ganhar apoio popular ao explorar a causa palestina.
Em 2020, o apoio ao Hezbollah estava em baixa, com apenas 1/3 dos libaneses dando avaliação positiva ao grupo. Mas em dezembro de 2023, após atacar Israel em outubro, essa aprovação subia para 51% numa pesquisa encomendada pelo Washington Institute for Near East Policy. Catherine Cleveland, pesquisadora sênior do instituto, sugeriu que esse aumento é resultado de um efeito de "união em torno da bandeira" devido ao conflito. O principal apoio ao Hezbollah vem da comunidade xiita libanesa, que representa cerca de 27% da população adulta do país. Aproximadamente 90% desse grupo tende a confiar e a apoiar o Hezbollah, de acordo com pesquisas recentes. Embora o apoio ao grupo tenha aumentado um pouco em outros setores, os dados indicam que esse crescimento se deve à retomada da postura de "resistência" contra Israel. Não obstante, uma pesquisa do Arab Barometer 2024 revelou que apenas 30% dos libaneses confiam no Hezbollah, enquanto 55% expressam desconfiança. Essa desconfiança é um sinal claro de que o apoio ao grupo tende a diminuir à medida que o desgaste das guerras se intensifica. Embora a opinião pública libanesa demonstre solidariedade com os palestinos e uma forte resistência contra Israel, a população está cada vez mais preocupada com as crises internas de governança e econômicas. Mesmo em meio à indignação com Gaza, o foco principal dos libaneses continua sendo a necessidade de soluções para os próprios problemas. A Arab Barometer destacou que, entre sete países árabes analisados, só os libaneses acreditam que a administração dos EUA deveria priorizar o desenvolvimento econômico no Oriente Médio em vez da questão palestina, o que reflete o desespero em que se encontra o Líbano.
A grande derrocada
Os constantes ataques do Hezbollah ao norte de Israel justificaram as FDI voltarem os olhos para o Líbano a começar pela explosão remota de pagers, walkie talkies, relógios, telefones, máquinas de impressão digital, todos entre os dispositivos explodindo no Líbano a partir de 17 de setembro de 2024. Os ataques deixaram mais de 3.000 feridos e mais de 40 mortos.
O Mossad israelense é o único a gerenciar a operação e é o responsável por ela, disse o canal de TV israelense i24 depois que explosões simultâneas de pagers e walkie talkies por aquecimento de baterias enriquecidas com PETN atingiram em sua maioria civis do Hezbollah no Líbano, e na Síria.
O tetranitrato de pentaeritritol, CASRN 78-11-5, pertence à classe de compostos conhecidos como nitratos orgânicos (Petersen & Swartout 2021). É usado principalmente como explosivo de demolição e na fabricação de fusíveis detonantes e detonadores. O PETN comercial é geralmente misturado com nitrocelulose plastificada ou borracha sintética porque o PETN em sua forma pura é muito sensível ao atrito e ao impacto. O PETN é um dos explosivos mais poderosos conhecidos e, junto com a ciclotrimetilenotrinitramina (RDX), é o principal ingrediente do Semtex, um explosivo plástico.
“O que aconteceu é um genocídio completo! Aqueles que carregam dispositivos de pager são membros civis do Hezbollah, não combatentes. O que aconteceu é um crime de pleno direito contra civis. Suas observações confirmam o que eu disse antes, e que, além disso, matar combatentes desarmados fora de serviço ou membros de um partido é um crime. 3.000 feridos, muitos agora com deficiências ao longo da vida, é um genocídio” – deputado do Hezbollah Ibrahim al-Moussawi
Genocídio é a violência que tem como alvo indivíduos por pertencer a um grupo e visa a destruição daquele grupo de pessoas. Querer atingir todos os membros do partido político Hezbollah sem discriminar entre militantes armados e membros civis é, por definição, uma intenção genocida. No caso de plantar indiscriminadamente explosivos em todos os pagers que vão para o Líbano para uso do partido político Hezbollah, sem escrúpulos em distinguir combatentes de não combatentes, isso é sem dúvida um ato genocida. O mesmo se aplica a querer destruir o Hamas em sua totalidade, sem distinguir entre civis e militantes. O Hamas também é um partido político com ramos militantes, o maior dos quais é chamado de Brigadas Al-Qassam.
Israel é o único Estado que pode realizar um ataque terrorista no qual milhares de dispositivos de comunicação são usados como explosivos em massa, de fato visando indiscriminadamente civis. E os EUA, o Reino Unido e a UE respondem sem palavras de condenação, muito menos com qualquer ação militar após um ato classificado inequivocamente como terrorismo de Estado. A hipocrisia e o horror da "ordem baseada em regras" liderada por Washington estão sendo expostos dia após dia como nada mais do que o governo violento e opressivo dos aliados de Washington, que não seguem absolutamente nenhuma regra, mas impõem regras a outrem.
Na sequência, Israel começou a bombardear o Líbano em 23 de setembro de 2024, como parte de uma operação chamada "Northern Arrows", no contexto do conflito em andamento com o Hezbollah. Desde o início dos ataques, mais de 800 pessoas morreram, mais de 5.000 ficaram feridas, e centenas de milhares de civis libaneses foram deslocados. Este foi o ataque mais mortal no Líbano desde o fim da Guerra Civil Libanesa. Os ataques ocorreram poucos dias após explosões de pagers e walkie-talkies direcionados a membros do Hezbollah e um bombardeio de um complexo residencial em Beirute.
Israel relatou ter matado todo o comando militar do Hezbollah, no que é potencialmente um ataque sem precedentes contra comandantes militares. Israel teria lançado mais de 80 bombas pesando 1 tonelada cada, num bunker num subúrbio de Beirute para matar Sayyed Hassan Nasrallah. Todo o comando do Hezbollah foi eliminado supostamente no último ataque mostrado no vídeo acima.
Framework do Comando do Hezbollah eliminado
Nasrallah, ex-líder do Hezbollah, foi morto num ataque aéreo israelense em 27 de setembro de 2024. O ataque aconteceu num centro de comando em Beirute, onde Nasrallah estava se reunindo com altos funcionários do Hezbollah. A morte confirmada do líder do Hezbollah, Xeique Sayyed Hassan Nasrallah, é um golpe colossal para toda a estrutura do Eixo da Resistência. O termo “Resistência” é usado para se referir às forças mais radicalmente anti-israelenses no Médio Oriente. Estes incluem, principalmente, os Houthis iemenitas (o movimento Ansar Allah, que controla a parte norte do Iémen), as forças sírias lideradas por Bashar al-Assad, o movimento palestino como um todo (principalmente o Hamas), e os mais radicais, predominantemente Xiitas, forças no Iraque. O Eixo da Resistência desenvolveu-se sob a influência significativa da República Islâmica do Irã, que era o seu principal pilar. O falecido Hassan Nasrallah, como líder do Hezbollah, representou a vanguarda da resistência anti-israelense para todo o mundo islâmico (principalmente xiita). Portanto, os golpes que Israel tem desferido ao Hezbollah nas últimas semanas, acabando por matar o seu líder, representam um ataque poderoso contra todo o Eixo da Resistência.
Discurso final do líder martirizado do Heszbollah Sayyed Hassan Nasrallah
É evidente que o Hezbollah nunca teve a menor condição de fazer frente a Israel, especialmente num contexto de guerra suportado pelos EUA. Israel, graças ao apoio do Ocidente coletivo e utilizando as suas mais recentes ferramentas tecnológicas de IA, opera de forma muito eficaz e precisa. Israel é suportado por uma vasta rede de apoiadores, pessoas que partilham os princípios do sionismo político e religioso em todos os países do mundo, dando a Israel uma grande vantagem como estrutura em rede e não apenas como Estado.
Futuro sombrio
Como muitos outros, o Hezbollah manipula a causa palestina em benefício próprio, enquanto se envolve em tráfico de armas, dinheiro e contrabando. Suas operações são alimentadas por recursos provenientes tanto de Teerã quanto de suas justificativas religiosas. No fim das contas, o Hezbollah continua sendo um dos maiores obstáculos para a estabilidade e soberania do Líbano, tendo quebrado o monopólio do governo sobre o uso da força e ainda sendo capaz de iniciar um conflito que pode arruinar o país ao transformá-lo numa nova Gaza. Os ataques infrutíferos vindos do Hezbollah do Líbano, dos Houthis do Iêmen, ou do Irã apenas servem para justificar a ira de Israel contra nações no Oriente Médio jogando o jogo preferido dos EUA e do Reino Unido – o tabuleiro de War. A verdade é que todo este cenário de conflito no Oriente Médio desencadeado pelos ataques de 07/10 não passam de mais uma proxy war – a chamada guerra por procuração. Uma guerra cujo vulto só é possível graças ao financiamento por parte de nações do Ocidente cujo apoio bipartidário de congressistas denuncia o lobby de Israel como ponto de partida para um conflito regional desejado pelo Estado Profundo. Desde 07 de outubro de 2023 até setembro de 2024, os EUA doaram U$ 17,9 bilhões de dólares em ajuda militar a Israel.
Israel está a estabelecer objetivos para criar um grande Estado e as atuais ações do governo de extrema-direita de Israel sob o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e apoiadas pelo Ocidente são vistas como abrindo o caminho para o seu reinado. O modo como isto está sendo feito, porém, é controverso e ultrajante ao envolver crimes de guerra e terrorismo de Estado contra milhões de civis que só podem atrair para si ódio e contenda por parte do mundo islâmico sob o olhar crítico do Oriente como um todo. O Ocidente coletivo apoia tudo incondicionalmmente, permitindo o extermínio em massa de pessoas inocentes prostradas aleatoriamente no caminho do “Grande Israel”. Isto inclui atacá-los usando toda tecnologia de guerra disponível.
“Quando ouvirdes falar de guerras e revoluções, não vos assusteis; pois é necessário que primeiro aconteçam estas cousas, mas o fim não será logo” | Lucas 21: 9
Imagine o que está a suceder agora nas mentes sionistas vendo a agenda da restauração de Israel prosperar – isto só pode ser interpretado como a proximidade do Messias.
Este assunto é seríssimo. Já não se trata apenas de mais uma guerra no Oriente Médio. Na verdade, a própria existência do Eixo da Resistência está agora em questão. Enquanto líderes do mundo xiita estão perplexos, os sunitas estão atônitos e confusos, uma vez que que não podem permanecer calados sobre o que está sucedendo. Os sunitas não podem ficar do lado de Israel, pois isso seria uma traição completa até mesmo às noções mais básicas de solidariedade islâmica. Todavia, a eficiência militar e a influência política sionista israelense colocam-nos numa posição extremamente difícil, uma vez que não é claro como combater Israel. Especialmente considerando que os mísseis de Israel podem atingir com precisão o que quiserem, enquanto mísseis e drones oponentes são efetivamente interceptados pelo sistema de defesa antimísseis Iron Dome nas fronteiras de Israel.
Só uma força que seja comparável em poder, equipamento e determinação para violar todas as leis possíveis e cruzar quaisquer linhas vermelhas poderia combater um inimigo tão potente. Essa força só poderia vir da coalisão de várias nações poderosas.
"Quando, porém, virdes Jerusalém sitiada de exércitos, sabei que está próxima a sua devastação” | Lucas 21: 20
Estamos ouvindo os primeiros tremores que sucedem a vinda do Filho do Homem?
Referências Bibliográficas
BÍBLIA Sagrada. Tradução João Ferreira de Almeida Revista e Atualizada, 1. ed. Brasília: Sociedade Bíblica do Brasil, 1991.
Petersen DD, Swartout J. Provisional Peer-Reviewed Toxicity Values for Pentaerythritol Tetranitrate (PETN) (CASRN 78-11-5). Cincinnati (OH): U.S. Environmental Protection Agency; 2021 Jul. 1, INTRODUCTION. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK589847/