Daniel Sheanan Colmenero Lin
29 de out. de 2023
Desenvolvimento urbano sustentável ou liberdade de movimento controlada?
Uma das mais distópicas ideias urbanas a emergir da pandemia é a cidade de 15 minutos. Lisa Chamberlain, Líder de Comunicação e Transformação Urbana do Fórum Econômico Mundial (WEF) argumenta que a pandemia criou uma urgência em torno do urbanismo equitativo onde satisfazer todas as necessidades dentro de uma pequena distância a pé, de bicicleta ou de trânsito era de repente uma questão de vida ou morte.
Desenvolvida pelo urbanista francês Carlos Moreno, a cidade de 15 minutos refere-se a um lugar onde todas as necessidades da vida cotidiana – lojas, escolas, locais de trabalho, consultórios médicos, parques, bibliotecas, restaurantes e outras comodidades – estão localizadas numa curta caminhada de 15 minutos ou de bicicleta de casa. Assim, cada bairro torna-se um isócrono – uma área que pode ser explorada dentro de um determinado tempo, dando a todos os moradores acesso às suas necessidades numa caminhada conveniente.
O conceito é impulsionado pela controversa alegação de mudanças climáticas causadas pela queima de combustíveis fósseis. As cidades de 15 minutos reorganizariam o espaço físico em torno da experiência humana do tempo. Os trabalhadores podem morar perto de seus escritórios ou espaços de trabalho, eliminando o deslocamento de longa distância, o que diminui o uso de veículos motorizados, responsáveis por boa parte das emissões de carbono nas áreas urbanas. Qualquer pessoa pode caminhar até um pequeno parque próximo sem ter que procurar vagas de estacionamento. Ao concentrar serviços e necessidades básicas em bairros compactos, reduz-se a dependência de carros e transporte público de longa distância, diminuindo as emissões de carbono. A combinação dos dois conceitos impulsiona a criação de áreas urbanas mais sustentáveis e resilientes, onde as pessoas podem viver, trabalhar e satisfazer suas necessidades diárias sem depender fortemente de veículos movidos a combustíveis fósseis, contribuindo assim para a redução das emissões de carbono e o avanço em direção a uma meta de carbono zero líquido. A ambição é reduzir a zero o número de veículos privados até 2030.
Carlo Ratti (Diretor do Departamento de Estudos e Planejamento Urbano do MIT) e Richard Flórida (Professor de Negócios e Criatividade da Universidade de Toronto) ressaltam que várias cidades ao redor do mundo já começaram a adotar a abordagem de cidade de 15 minutos. Por exemplo, Melbourne está propondo comunidades autônomas num raio de 800 metros. O Plano de Ação Climática de Portland pede bairros mais vibrantes, nos quais 90% dos moradores possam caminhar ou andar de bicicleta para satisfazer suas necessidades diárias. Mas o defensor mais vocal do conceito é Paris, onde o conceito nasceu. Sua prefeita, Anne Hidalgo, defende a "ville du quart d'heure" desde o início de 2020 e a incorporou a um plano mais amplo para promover a mobilidade ativa em vez de carros: a velocidade do carro foi limitada a 30km/h em muitas ruas; os automóveis foram proibidos ao longo do Sena um domingo por mês; e planos para incluir uma ciclovia em todas as ruas até 2024 estão em curso.
Pessoas caminhando ao longo do Sena - uma área totalmente pedestre. Imagem: UNSPLASH/Yan Berthemy
Tais experimentos são inéditos e se baseiam em princípios de planejamento há muito estabelecidos. Desde a crise do modernismo monofuncional no pós-guerra, urbanistas e designers propuseram empreendimentos de uso misto, onde residências, escolas e lojas ficam lado a lado em diversos bairros. O bairro de 15 minutos fornece uma escala espacial específica e sugere um novo modelo para a cidade maior, que é descentralizada em partes pequenas e repetitivas.
DESAFIOS À IMPLANTAÇÃO DAS CIDADES DE 15 MINUTOS
Como esse modelo funciona para empresas, trabalhadores, comunidades e nosso planeta? Um painel do Fórum Econômico Mundial discutiu os desafios de 15 minutos das cidades durante a Cúpula de Impacto do Desenvolvimento Sustentável (SDIS 2021).
Entre os palestrantes estavam Carlo Ratti (Diretor do Laboratório Cidade Sensível | MIT) Sally Capp (Prefeita de Melbourne), Mike Haigh (Presidente do Conselho Executivo | Mott MacDonald Group) e Arunabha Ghosh (CEO da CEEW). Dentre os principais desafios discutidos estão a equidade de recursos e oportunidades, a engenharia de transportes urbanos, o financiamento pelo setor privado em especial para áreas menos favorecidas, a segregação social, e o papel da tecnologia de cidades inteligentes para a manutenção dessa estrutura.
Acontece que o conceito nem sempre se adapta. Por um lado, o bairro de 15 minutos não funciona tão bem para uma nação suburbana, como os Estados Unidos. Embora seja fácil imaginar Paris, Copenhague e Barcelona em pequenas partes repetidas – ou mesmo em certos lugares nos EUA, como Manhattan e Brooklyn, ou grandes fatias de Boston e Cambridge, em Massachusetts – é mais difícil imaginar esse tipo de reinvenção de subúrbios distantes onde vive a maioria dos americanos. Cidades e subúrbios americanos só poderiam fazer o corte de 15 minutos se isso pudesse ser feito em um carro. E as comunidades de 15 minutos pouco fazem para alterar as duras realidades da desigualdade econômica e geográfica. Prometem comodidades próximas e caminhabilidade luxuosa apenas para a nobreza urbana abastada. Como aponta Ed Glaeser da Universidade Harvard, os grupos menos favorecidos dificilmente conseguem viver sua vida em seus próprios bairros desfavorecidos, que carecem de empregos, opções de lazer, supermercados e comodidades encontradas em comunidades mais sofisticadas.
Alguns urbanistas se perguntam o que há de tão novo na ideia do bairro de 15 minutos? Eles veem a construção como pouco mais do que uma noção rebatizada de bairros urbanos ou "aldeias" carecendo do dinamismo de uma cidade real. A realidade é que a vida urbana requer a ampla extensão de cidades inteiras e áreas metropolitanas. E é impossível replicar algumas das instituições mais importantes – grandes universidades, grandes museus, grandes teatros em escala de bairro. As cidades prosperam porque criam um mercado para essas instituições e ativos incríveis. Podemos visitar o café ao redor do nosso quarteirão todos os dias, mas só pegaremos o metrô para o museu ou teatro uma vez por mês. De fato, uma pesquisa de um de nós publicada recentemente na Nature mostra que, na vida cotidiana, a frequência de nossas visitas a um determinado local é inversamente proporcional à sua distância de nossas casas. Este tipo de argumentação pode servir na regulamentação de restrições sociais em cidades fractais num futuro próximo, lembrando que as partes verdadeiramente vibrantes da cidade geralmente começam quando os primeiros 15 minutos terminam. Com fácil acesso ao essencial, viagens mais longas seriam guardadas para serem aproveitadas onde se precisa dentro de sua cota limite: encontrar e participar dessa diversidade e especialização que só são possíveis na escala de uma cidade real e área metropolitana. Grandes bairros são incompletos por definição, funcionando como proverbiais trampolins ou ponto de partida a partir do qual os moradores podem atacar mais. Mesmo grandes bairros nunca são autossuficientes, mas são sempre uma consequência e função das grandes cidades.
LIBERDADE DE MOVIMENTO AMEAÇADA
Durante a Conferência sobre o Futuro da Europa 2023, a eurodeputada Christine Anderson explicou que essa agenda idealizada pelo WEF para supostamente reduzir nossa pegada de carbono trata-se tão somente da ambição das elites por controle social.
Christine Anderson interpreta o Certificado Verde Digital como uma medida de conformidade para sociedades democráticas, sendo o próximo passo restringir a nossa liberdade de circulação já na presente década pela criação de ‘guetos de 15min’ vigiados pela revolução tecnológica. De fato, o conceito de cidades de 15min seria imposto através de regulamentos restringindo nossa liberdade de movimento atrelados a tecnologias de rastreamento, reconhecimento e crédito social para forçar a conformidade entre aldeões. A saída para locais mais distantes teria que ser limitada, de outro modo, não seria possível fazer valer o conceito de cidades de 15min. O conceito representa uma violação ao artigo 13 da Declaração Universal de Direitos Humanos 1948 – “Todos têm o direito à liberdade de movimento e de residência dentro das bordas de cada Estado. Todos têm o direito de deixar um país, incluindo o próprio, e retornar a seu país”. No fim de tudo, as cidades de 15 minutos representam outra faceta em direção à implantação do feudalismo digital – um sistema dominado pela elite tecnocrata global que almeja deter o controle não só dos meios de produção como também de toda a humanidade através das tecnologias digitais.