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Bastidores da prisão de Pavel Durov oriundos da geopolítica global

Daniel Sheanan Colmenero Lin

2 de set. de 2024

De conteúdos sensíveis a ataques cibernéticos em zonas de conflito: histórico recente desafia cumplicidade alegada no indiciamento do CEO do Telegram em território francês

Promotores franceses indiciaram o CEO do Telegram, Pavel Durov, por cumplicidade na distribuição de imagens de abuso sexual infantil, auxílio ao crime organizado e ignorar ordens legais. Após cinco dias de detenção, Durov foi solto no último dia 28/08/2024 ao pagar € 5 milhões de fiança, devendo apresentar-se à polícia duas vezes por semana, e não está autorizado a sair do território francês. Evidentemente, Durov não tem a ver diretamente com os crimes alegados, mas com grau de privacidade de usuários que se aproximam da casa de 1 bilhão. Enquanto o Presidente Francês Emmanuel Macron veio a público em seu Twitter declarar que a prisão de Durov não teve influência política, é improvável que sua prisão não esteja relacionada com as recusas recorrentes de Durov em cooperar com as agências de inteligência, o complexo industrial da censura, bem como apelos para aplicação da lei. Este artigo apresenta uma síndrome de ocorrências recentes na trincheira geopolítica suspeitas de desencadear a prisão e o indiciamento do fundador do Telegram.

 

Ataques cibernéticos e hacktivistas iranianos pró-Palestina incomodam sionistas

Em 4 de abril de 2024, o Ministério da Justiça de Israel anunciou estar investigando um ‘incidente cibernético’ após ativistas pró-Gaza violarem seus servidores e roubarem centenas de gigabytes de dados sensíveis. O grupo chamado Anonymous for Justice reivindicou a responsabilidade pela violação, incluindo a recuperação de quase 300 gigabytes de dados, e declarou que continuaria atacando Israel "até que a guerra em Gaza parasse". "Como anunciamos anteriormente, hoje é o dia prometido. Já hackeamos os servidores do Ministério da Justiça do regime sionista em várias operações", informou o Anonymous em uma mensagem de vídeo retirada do ar pelo Twitter.


O grupo publicou arquivos que disse ter obtido na violação, como documentos legais, incluindo rascunhos de acordos bilaterais e contratos marcados como confidenciais cuja autenticidade é incerta. O conjunto de dados contém 800.000 e-mails em formato HTML, mais de 700.000 arquivos de imagem, quase 200.000 arquivos do Ministério da Defesa de Israel incluindo documentos, e-mails e milhares de planilhas e apresentações. Milhares de arquivos confidenciais e e-mails sensíveis foram vazados com links permitindo que qualquer pessoa baixasse os arquivos invadidos sendo publicados no Telegram. Todavia, os canais hacker do Telegram foram logo sendo encerrados, com usuários excluídos e postagens compartilhando links de download sumindo. Os e-mails e documentos foram divulgados pela Distributed Denial of Secrets, ou DDoSecrets, uma organização sem fins lucrativos com sede nos Estados Unidos responsável por disseminar uma série de hacks de alto perfil nos últimos anos. A violação foi investigada pela Diretoria Nacional Cibernética de Israel. Além disso, mais de 2.250 arquivos de inteligência sobre o pessoal da IDF, cujos dados parecem ter sido confiscados das Brigadas Al-Qassam. Os dados foram publicados pela Ganosec Team (também conhecida como Garuda Anon Security), um grupo de hackers indonésio, em 2023, antes de seu canal ser censurado pelo Telegram.


Desde os ataques de 7 de outubro, Israel tem enfrentado a escalada de ataques cibernéticos mais grave de sua história a contas de autoridades e entidades da segurança de Israel, servidores privados, contratos militares, prefeituras, hospitais, ministérios governamentais e entre outros. Hackers se apresentam como forças pró-palestinas, mas frequentemente são frentes para os hackers de inteligência cibernética semi-oficiais do Irã. Após o vazamento inicial da violação ao Ministério da Justiça de Israel, autoridades da Diretoria Nacional de Cibersegurança de Israel tentaram minimizar sua importância: "São apenas documentos antigos de um sistema desatualizado e nenhuma rede do ministério foi realmente penetrada". Os próprios dados, no entanto, revelam os detalhes pessoais de altos funcionários israelenses e contêm documentos confidenciais e trocas de e-mails, incluindo aqueles sobre assuntos classificados e informações que não podem ser publicadas por razões legais. Identidades, números de telefone, dados bancários, placas de carros e até senhas foram inclusas em relatórios que o Hamas criou sobre mais de 2000 soldados das Forças Aéreas Israelenses. O objetivo das reportagens de vazamentos aparece claramente em sua capa: "Como vingança pelos assassinos das crianças de Gaza". Cada relatório inclui o nome completo do soldado, sua base ou unidade, número de identificação, número de telefone celular, endereço de e-mail, contas de mídia social, nomes de membros da família e, em alguns casos, senhas, placas, números de cartão de crédito e informações de contas bancárias. À época, autoridades israelenses disseram que uma ordem de silêncio havia sido imposta sobre o vazamento e a investigação sobre ele, mas também sobre "a publicação de qualquer informação" derivada dele. "Vários canais do Telegram que publicaram os documentos também foram removidos, e o trabalho nesta frente continua", disse o órgão cibernético na época.

 

Geralmente, hackers objetivam coletar informações, atacar infraestruturas e interromper serviços. Todavia há o viés da guerra psicológica onde a exposição de conteúdos vazados tem potencial de denegrir Israel perante à sociedade civil através dos chamados ‘ataques de percepção’. Uma usuária do Telegram comenta: “Claro que Israel está por trás disso, difícil de esconder segredos quando as fotos de bebês mortos estão nos dispositivos de todos”. Agora Israel está travando uma guerra digital contra os vazamentos, para evita-los e tentar minar sua disseminação. Os esforços incluem monitorar a web e as redes sociais em busca de vazamentos e usar pedidos legais de remoção a Big Techs como Google, Amazon, Meta e o Telegram. Assim, empresas de tecnologia têm retirado do ar material digital roubado. Recentemente, várias contas foram removidas pelo Telegram após postarem links para materiais hackeados, incluindo canais oficiais dos hackers. Todavia, essa política é imperfeita, pois as políticas de privacidade incluem ordens de sigilo locais, cujo limiar oferece uma série de conflitos éticos. Logo, a contenção da disseminação é apenas parcial e a água acaba vazando por outros furos.

 

Telegram: uma pedra no sapato de Israel

Muitos países ocidentais tomam medidas criminais ou legais contra os vazadores estrangeiros e locais, mas acabam de alguma forma tolerando a existência de vazamentos online. De outro modo, Israel influencia políticas internas das empresas de tecnologia para que elas removam os materiais hackeados em seu nome, impedindo que dados vazados venham a público. Mesmo as plataformas consideradas hostis como o Telegram, possuem regras destinadas a protegê-las das implicações legais da conduta de seus usuários. Políticas de Privacidade podem incluir desde pedidos de remoção por violação de direitos autorais até reivindicações legais de difamação. Dados hackeados caem numa ampla categoria de bens roubados, então as mesmas políticas usadas para impedir a disseminação de arquivos para download ilegal de conteúdos protegidos por direitos autorais também valem para remover conteúdos hackeados de servidores israelenses. É frequente a sinalização de violações dos termos de uso do Telegram pelo Estado de Israel exigindo remoções de usuários e canais de grupos de hackers. Frequentemente, os mesmos hackers criam novos canais para vazamento de arquivos, tornando o cenário do Telegram desafiador para Israel. Enquanto a maioria das Big Techs simplificaram mecanismos de acesso ao Estado, o Telegram é considerado o menos cooperativo de todos. E enquanto muitas das plataformas investiram pesadamente em moderação, permitindo pessoas e organizações monitorarem conteúdos, tais como a remoção de conteúdo antissemita, posts incitando terrorismo, cenas de má conduta de oficiais das Forças de Defesa de Israel ou mesmo a remoção de vídeos do massacre de 7 de outubro, o Telegram não fez o mesmo. Desde os ataques de 7 de outubro, o Telegram emergiu como plataforma-chave da guerra psicológica do Hamas contra Israel. Israel não conseguiu abordar o Telegram satisfatoriamente.

 

Preocupados com a onda de conteúdo pró-Hamas, que incluía vídeos do próprio ataque, cenas da guerra entre Israel x Palestina, e uma diversidade de propagandas e conteúdos sensíveis, israelenses da indústria de alta tecnologia tentaram ao fim de 2023 entrar em contato Pavel Durov, o fundador do Telegram. Durov, no entanto, não foi receptivo aos pedidos privados para remodelar a moderação da plataforma, embora algumas páginas ligadas à ala militar do Hamas tenham sido bloqueadas localmente. O Google ou o Meta, por exemplo, removeriam uma página diretamente ligada ao Hamas, e a Amazon removeria um site por hospedar materiais terroristas, mas no Telegram, essa moderação não existe para remoção de conteúdo. Somente bens claramente roubados são removidos, tornando as reivindicações de conteúdo o único caminho eficaz para as autoridades legais de Israel. Dados oficiais de Israel indicam que o Ministério da Justiça enviou ao Facebook mais de 40.000 pedidos bem-sucedidos para remover "conteúdos ilegais". O TikTok removeu mais de 20.000 postagens sinalizadas por Israel, enquanto no Telegram, esse número cai a pouco mais de 1.300.

 

Dark Web

A internet é estratificada em três níveis:

(1) Web Aberta – sites encontrados via mecanismos de busca em navegadores de internet.

(2) Deep Web – conteúdo online requer login para ser visualizado, como plataformas de mídia social ou aplicativos de mensagens.

(3) Dark Web – navegadores desconhecidos do público e de difícil acesso onde hackers e traficantes se comunicam.

Enquanto Israel se concentra na web aberta e na deep web na tentativa de limitar o vazamento de conteúdo na internet, a existência de

sites descentralizados que usam infraestrutura não ocidental parece desafiadora ao exibir conteúdo na própria web aberta onde começaram a aparecer com os primeiros vazamentos de hackers iranianos no início deste ano. O uso de sites descentralizados têm sido uma válvula de escape para operadores iranianos que permitem que hackers tenham um local para armazenar os vazamentos de operações hack-and-leak. A Rússia também utiliza provedores de hospedagem ‘blindada’ que suportam o cibercrime. De fato, hackers iranianos estão usando provedores russos não sujeitos aos padrões legais ocidentais. Hackers também começaram a usar ‘Domínios Onion descentralizados’, que dificultam as agências governamentais identificarem o host do domínio, tornando a remoção do provedor significativamente mais difícil. Domínios Onion são endereços da web usados na rede Tor (The Onion Router), uma rede anônima que permite acesso à internet de forma privada e segura, ocultando a identidade e a localização dos usuários. Esses domínios são acessíveis apenas por meio de navegadores configurados para usar a rede Tor, como o navegador Tor. Os Domínios Onion usam criptografia de várias camadas, que roteia o tráfego de internet por vários servidores ao redor do mundo, dificultando a identificação da origem da conexão. Sites que usam Domínios Onion não estão acessíveis pela internet tradicional e são associados à dark web, onde podem ser encontrados mercados ilegais, fóruns de hackers e outros conteúdos que não seguem as regulações da web aberta.

 

Durov encontra território hostil no Ocidente

Relatos da mídia francesa apontam que Durov caiu numa armadilha preparada por Emmanuel Macron que vinha sendo elaborada há anos. Há cerca de três anos, Durov se encontrou com Macron que sugeriu que ele obtivesse a cidadania francesa por uma via especial. Foi relatado que todas as reuniões de Durov com Macron, que começaram em 2018, não foram registradas no protocolo do Palácio do Eliseu, sendo não-oficiais. Há uma cláusula na lei francesa que permite a concessão de cidadania a um cidadão estrangeiro que tenha contribuído significativamente para a França. O Ministério das Relações Exteriores francês teve dificuldades em aceitar essa instrução de Macron quando Durov não seguiu os critérios exigidos. Sob pressão do Eliseu, Durov obteve a cidadania francesa em 2021, poucos meses após seu encontro com Macron. A cidadania francesa foi ponto chave legal para sua prisão em solo francês. Durov havia chegado à França para um jantar e, quando foi preso pela polícia, alegou que estava ali para jantar com Macron. O Eliseu negou a notícia, dizendo que Macron estava fora de Paris e que nenhum jantar havia sido agendado. Acredita-se que Macron, um graduado do Programa de Jovens Líderes do WEF, sob Klaus Schwab, tenha pessoalmente arquitetado uma rede por anos para derrubar o fundador do Telegram sob ordens americanas. Em trecho da entrevista a Tucker Carlson, Pavel Durov conta como ele e seus engenheiros eram assediados por agentes do FBI nos EUA.



Suspeitas do envolvimento dos EUA aumentam após ataques da Digital Forensic Research Lab (DRFLab) à recusa do Telegram de censurar informações na plataforma sobre o conflito entre Rússia e Ucrânia. O DFRLab possui o maior corpo de pesquisa dentro do Conselho do Atlântico – uma organização que galvaniza a liderança e o engajamento dos EUA no mundo para moldar soluções para os desafios globais. O DFRLab operacionaliza estudos sobre a famigerada ‘desinformação’ expondo notícias falsas, evidentemente sob uma visão oligárquica, e construindo uma resiliência digital global conveniente para os anseios do Estado Profundo. Segundo testemunho de Michael Shellenberger sobre o Complexo Industrial da Censura, o Conselho do Atlântico é financiado por agências de inteligência do governo dos EUA, e também recebe financiamento do oligarca ucraniano Viktor Pinchuk. Coincidentemente, dois meses após o Conselho do Atlântico destacar a recusa problemática do Telegram em censurar informações sobre a guerra na Ucrânia, Durov foi preso na França. Duas semanas após Tucker entrevistar Durov, a Radio Free Europe, fundada pela CIA, insinuou que a Rússia estava secretamente controlando o Telegram e a inteligência militar da Ucrânia devia assumir seu controle. Apesar da propaganda do regime dos EUA tentando colocar Durov como agente russo, Durov de fato viveu como um exilado russo e estava em desacordo com o governo russo, precisamente porque ele não comprometeria a privacidade do Telegram em nome das exigências da Rússia.

 

Conclusões

O caso Durov passa além da liberdade de expressão, sendo relevante também para a geopolítica. O Telegram é conhecido por hospedar um rico repositório de imagens e informações não mediadas de zonas de conflito como Ucrânia e Gaza cujo conteúdo tem impacto considerável sobre a opinião pública. A disposição do Telegram de hospedar informações não mediadas e não filtradas sobre pontos críticos geopolíticos é a principal suspeita de ter colocado Durov na mira da justiça ao incomodar uma variedade de estados-nação, incluindo Israel (cujo vazamento de arquivos do governo foi publicado em canais do Telegram), a Ucrânia e as partes interessadas na guerra da Ucrânia, como os países da OTAN (informações que confirmam envolvimento direto dos EUA e do Ocidente na Ucrânia já circulam no Telegram desde o início da guerra, bem como informações do envolvimento dos mesmos no conflito Israel x Palestina). Na escalada da crise de liberdade de expressão e vazamento de conteúdo, a censura à base de cancelamentos se aprofunda na direção do indiciamento e prisão de tecnocratas que não joguem o jogo do Estado Profundo.

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